Relato: Missioneiros no Audax
600km Bagé
Eu e meus amigos
Bartolomeu Chagas de Freitas e Daniel Vitor Silva, participamos neste último
final de semana (22 e 23 de outubro) de um dos maiores eventos de ciclismo do
Rio Grande do Sul – o Audax 600km, organizado pelo Clube Audax Bagé. Para
completar nossa equipe, contamos com o colega Diego Rodrigues que aceitou
participar como apoio, nos auxiliando na busca do título de Super Randonneur – título
esse homologado pelo Audax Club Parisien. Para quem não sabe, as provas de
Audax são experiências de longa distância que exigem dos ciclistas muita
resistência, bom desempenho em estradas e vontade de superar limites e
desafios.
O Audax 600km de
Bagé representou mais que um desafio para mim e para meu colega de pedaladas
Daniel, foi de fato um presente por termos completado neste mês de outubro um ano
de pedal, juntamente com as conquistas dos Audax anteriores de 200km, 300km e
400km, e das participações em eventos da Associação Ciclo Missões de Santo
Ângelo e da região.
Para que
obtivéssemos êxito nessa prova em que percorreríamos 600km em até 40h, tivemos
que nos organizar com o transporte, os
equipamentos de segurança, a hospedagem, a manutenção das bikes, os suplementos
alimentares que preparam os atletas para provas de muita resistência. Com tudo
pronto, o grupo partiu em direção a Bagé, cidade localizada no sudoeste no RS
na região da campanha.
Chegando a Bagé nos
instalamos no hotel e nos dirigimos à churrascaria Parrilla La Brasa, local
onde a organização do evento estava realizando o congresso técnico da prova com
entrega dos kits aos ciclistas. Ali, além de todos os receios que uma prova de
longa distancia nos proporciona, ficamos sabendo dos pontos críticos do
percurso como: longos quilômetros entre os pontos de apoio e pontos de
controle, pista ruim em alguns trechos, inclusive exigindo cuidados e atenção
com relação a riscos de assaltos na estrada. Nesse momento ficamos um pouco
apreensivos, porém estávamos preparados para enfrentar todos esses desafios.
Depois de algumas
horas destinadas aos ajustes finais nas bicicletas, jantar e descanso, nos
dirigimos ao centro administrativo de Bagé, local destinado a vistoria das
bikes e equipamentos de segurança, bem como da entrega dos passaportes, para o
carimbo que registraria nossa passagem em cada ponto de controle da prova. As
23h59min do dia 21 de outubro foi dada a largada controlada por um carro da
organização que nos levou ate a saída do perímetro urbano. Neste trajeto as
pessoas pareciam estar esperando a nossa passagem, acenavam e aplaudiam em
frente de suas casas e nas calçadas, foi gratificante. Nesse momento fomos
lançados ao desafio de percorrer os 600 km.
A noite estava fria
- na madrugada chegamos a sensação térmica de 4ºC - e com pouca luminosidade. O vento estava contra,
o que criava um pouco de resistência. Mas, como eu disse anteriormente,
estávamos preparados, afinal somos das missões e pedalamos com uma turma que
costuma dizer: “Quanto pior melhor!”. Já durante o dia, a temperatura chegou a
atingir 32ºC.
Descreverei a seguir
o trajeto percorrido, os pontos de atendimentos (PA) e os pontos de controle da
prova (PC), bem como as minhas impressões, as curiosidades, superações e
aprendizagens de um evento como esse. Por isso tomei a liberdade de relatar com
detalhes esses momentos.
O trajeto
PA – Posto Paim – Km
52.1 = Passamos este PA com muita tranquilidade, rimos bastante, conversamos
com ciclistas de diversas cidades e Estados, alguns já conhecidos de outros Audax
e outros que acabamos conhecendo ali mesmo. Tivemos neste ponto o reforço do
nosso pelotão com a presença dos ciclistas Marcos Rogerio Zanella de Crissiumal
e Alney Freitas Correa de Santa Maria.
PA – Posto da
Fabrica – Km 63.5 = Neste ponto a temperatura baixou um pouco mais, as subidas
começaram a aparecer e o grupo de Erechim passou a pedalar conosco.
PC1 – Pinheiro Machado – Posto dos Balinhas –
Km 84,3 = Primeiro ponto de controle, e eu já estava com vontade de colocar
mais roupas. Estava muito frio e só um café bem quente para aliviar. Partimos
dali e logo encontramos a primeira boa descida. Foi bom demais. Porém, acabei
pegando um buraco no asfalto que causou furos nos dois pneus da minha bicicleta
e até a garrafa d´água saltou fora do suporte. Paramos para trocar as câmeras,
e seguimos, logo pegamos uma serra longa e com uma subida acentuada. Nesse
ponto, tivemos que nos organizar pedalando em grupo, auxiliando os ciclistas de
Erechim. Com a subida forte, as
pedaladas exigiam muito dos joelhos, então ao chegar no final da serra os meus
já davam sinais de desgaste.
PC2 – Piratini –
Posto 49 – Km 130.7 = Chegamos neste PC, já sem água e com o sol a pino.
Trocamos nossas roupas de frio por outras mais leves e eu aproveitei para tomar
um remédio para dor e suplementamos para suportar mais alguns quilômetros de
pedalada. Neste momento ainda estávamos rindo dos acontecimentos, contando
histórias e contemplando a paisagem.
PA – Restaurante
Casarão – Km 141.1 = Chegamos com média de 21,8 km/h e estávamos bem na questão
do tempo, trocamos a água e seguimos.
PA – Restaurante
Rosa de Saron – Km 153.8 = Neste PA não nos demoramos, somente trocamos a água
e continuamos o percurso.
PA – Posto Leão – Km
179,8 = Chegamos logo neste PA e ali nos alimentamos, pudemos ir ao banheiro e
conversamos um pouco sobre a prova, meu joelho continuava doendo e isso já
estava me deixando preocupado.
PA – Restaurante
Ongaratto – Km 208.6 = Nesta altura meu rendimento caiu muito e já não
conseguia acompanhar o Daniel e o Bartolomeu, acabei ficando para trás. Parei, tomei água, descansei um pouco e
resolvi seguir.
PC 3 – Cassino – Restaurante
La Ventana – Km 246.6 = Cheguei no restaurante e boa parte dos ciclistas já
havia almoçado. Nesse momento pensei em desistir da prova: “Acabou aqui, não
vou atrasar os dois colegas e aumentar o problema no meu joelho”. Avisei o
grupo que iria abandonar a prova ali. Tentaram me incentivar, mas não teve
jeito. Saíram para a estrada e iniciaram o retorno, almocei e fui ate o carro
de apoio, no momento de colocar a bike em cima do carro, senti que deveria
tentar mais um pouco, talvez o remédio fizesse efeito logo e as dores poderiam
dar uma trégua. Peguei água e continuei.
PA – Restaurante
Ongaratto – Km 285.3 = Pedalei tudo o que pude e o vento desta vez estava a
favor, mas não alcancei meus colegas. Passei pelo Alney, ciclista de Santa
Maria, que esta sempre junto com a nossa turma de Santo Ângelo nos Audax
anteriores. Forcei ainda mais a pedalada e acabei deixando ele para trás na
esperança de me juntar ao nosso pelotão novamente.
PA – Posto Leão – Km
314.1 = Passando um pouco deste PA eu senti que a prova, para mim, encerrava
ali. O joelho travou de vez; tentei ir mais devagar e não deu. Desci e empurrei
a bicicleta por mais ou menos uns 2 km, subi novamente tentei pedalar, mas não
tinha mais forças, não girava mais o pedal. Acionei o apoio que em menos de 20 minutos
chegou ao local onde eu esperava. Nestes 20 minutos passou um filme ali, na
beira da estrada, tive medo do que iriam dizer, fiquei envergonhado, pensei na
minha família, nas pessoas que tinham me motivado nestes últimos meses, em tudo
o que tinha feito certo e onde poderia ter errado. Conformei-me, afinal não faltou
perna. O resgate chegou e partimos.
PA – Restaurante
Rosa de Saron – Km 340.1 = Chegando com o carro de apoio encontramos o Daniel e
o Bartolomeu que já estavam esperando. Neste momento guardei as dores do joelho
para um outro momento e passei a ajudar o Diego no apoio.
PA – Restaurante
Casarão – Km 359.9 = Deste ponto em diante, observei que meus colegas Daniel e
Bartolomeu já não tinham muito tempo para descanso e para se alimentarem. Eu e
o Diego aproveitamos então para revisar as bicicletas , equipamentos de
segurança como as luzes e lanternas e trocar a água das garrafas.
PC4 – Piratini –
Restaurante 49 – Km 363.3 = O tempo corria e os dois forçavam a pedalada. Já
havia anoitecido e tudo parece ficar pior. Mas o pior estava por vir.
PC5 – Piratini - Hotel
Garibaldi – Km 400.5 = Quando entramos nesta rota, deu pena. Uma escuridão, um
trajeto sinuoso e buracos, vários buracos numa pista que era em descida. Logo
pensei no perigo, pois o Daniel costuma aproveitar ao máximo as decidas
chegando muitas vezes a mais de 75 km/h. Quando começamos a subir com o carro
de apoio, chegamos numa rua de paralelepípedos onde logo encontramos o Hotel.
Hotel este que era para tomarmos banho, comer algo e dormir pelo menos uma hora
e meia. Mas isso não foi possível aos nossos dois colegas missioneiros. O tempo
estava escasso e eles ao chegarem aproveitaram somente para tomar um banho e
logo partiram para a estrada.
PA – Mercado Morales
– Km449.6 = Neste momento as forças já não eram as mesmas, o sono incomodava. O
Daniel parou a bike e disse: “Barto, vou dormir só cinco minutos ai você me
chama”. Deitou ali mesmo fora do acostamento. Cinco minutos depois voltaram a
pedalar.
PC6 - Pinheiro
Machado – Posto dos Balinhas – Km 478.8 = Bartolomeu e Daniel chegaram a esse
PC no último minuto antes do fechamento. Estavam cansados do sol de 32°C que
não dava trégua. Não tinha uma nuvem no céu e ali vimos que tudo estava pior do
que imaginávamos, mal conseguiram tomar água.
PA – Posto da Fábrica
– Km 499.6 = Enquanto nos deslocávamos para este PA, começamos a calcular e
passar a média de quilometragem que deveriam manter se quisessem brevetar – ou
seja, alcançar o título de Super Randonneur. Chegando ali cantamos algumas
músicas de incentivo, para que não se desmotivassem.
PA – Posto Paim – Km
510.9 = Neste PA esperamos os dois com a suplementação pronta e gelada, para
seguirem sabendo que a média da velocidade das pedaladas teria que ser de no
mínimo 20.5 km/h, para chegarem ao final do desafio dentro do prazo.
PA – Lancheria PRF –
Km 545.8 = Ate agora não sei onde fica este PA, pois passamos direto.
PC7 – Bagé – BR153 –
Estância Santa Margarida – Km 564.1 = Neste momento tudo ficou tenso, pois o
Daniel chegou sozinho no PC e tinha perdido contato visual com o Bartolomeu ha
vários km. Atendemos ele ali e partiu sabendo que a media havia aumentado para
21.1 km/h. Passados 15 min apareceu o Bartolomeu, estava branco, antes dele
descer da bike tentei falar com ele, parceria estar tonto, só escutou quando
falei para ele sentar. Tomou água, suplementou e recebeu a notícia que deveria
pedalar a 21.8 km/h para completar a prova. Quase jogou as “ferramentas”, olhou
com o olhar cansado, se resignou e aceitou o desafio, pegou a bike e partiu. Ficamos
olhando e tivemos a certeza de que os dois estavam “garantidos” na prova. Vimos
ele subir a primeira, a segunda subida pedalando em pé. Foi bonito de ver a
garra, a vontade e persistência em busca do objetivo.
Chegada – Bagé –
Centro administrativo – Km 600. = A chegada foi emocionante, ha seis quadras da
chegada o Daniel perdeu o foco da pista e levou uma queda, machucando os dois
braços e pernas. Levantou com dificuldades, bateu o pó da pista e subiu na
bike. As pessoas pediam que esperasse que iriam chamar o Samu, mas o foco havia
voltado com tudo, ele agradeceu e pegou o caminho em direção ao centro
administrativo. Chegou com mais ou menos 39 horas e 40 minutos garantindo os
dois títulos que tinha ido buscar. Logo atrás vinha o Bartolomeu, que chegou na
frente do centro administrativo quase no pórtico da chegada. Desceu, pegou a
bike e levantou como se fosse um troféu. Era o “nosso” troféu, ver ali chegando
com força no braço, pisando firme e sorriso no rosto. A emoção foi forte, as
pessoas aplaudindo, os ciclistas comemorando, o organizador do evento saudando
o último santoangelense a garantir dois títulos do calendário 2016 o de Super
Randonneur - homologado pelo Audax Club Parisien e Super Randonneur dos Pampas
- homologado pelo Clube Audax Bagé.
Enfim, estou feliz
pelos meus amigos, parceiros de muitos pedais e o resumo foi este, lembrando eu
me conformei naquele momento, mas não aceitei. No calendário 2017 já estão
agendadas muitas oportunidades e eu vou estar lá com a turma inteira.
Alessandro Dorneles
26/10/16