sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Relato de Missioneiros no AUDAX 600 KM Bagé/RS

Relato: Missioneiros no Audax 600km Bagé

Eu e meus amigos Bartolomeu Chagas de Freitas e Daniel Vitor Silva, participamos neste último final de semana (22 e 23 de outubro) de um dos maiores eventos de ciclismo do Rio Grande do Sul – o Audax 600km, organizado pelo Clube Audax Bagé. Para completar nossa equipe, contamos com o colega Diego Rodrigues que aceitou participar como apoio, nos auxiliando na busca do título de Super Randonneur – título esse homologado pelo Audax Club Parisien. Para quem não sabe, as provas de Audax são experiências de longa distância que exigem dos ciclistas muita resistência, bom desempenho em estradas e vontade de superar limites e desafios.
O Audax 600km de Bagé representou mais que um desafio para mim e para meu colega de pedaladas Daniel, foi de fato um presente por termos completado neste mês de outubro um ano de pedal, juntamente com as conquistas dos Audax anteriores de 200km, 300km e 400km, e das participações em eventos da Associação Ciclo Missões de Santo Ângelo e da região.
Para que obtivéssemos êxito nessa prova em que percorreríamos 600km em até 40h, tivemos que  nos organizar com o transporte, os equipamentos de segurança, a hospedagem, a manutenção das bikes, os suplementos alimentares que preparam os atletas para provas de muita resistência. Com tudo pronto, o grupo partiu em direção a Bagé, cidade localizada no sudoeste no RS na região da campanha.

Chegando a Bagé nos instalamos no hotel e nos dirigimos à churrascaria Parrilla La Brasa, local onde a organização do evento estava realizando o congresso técnico da prova com entrega dos kits aos ciclistas. Ali, além de todos os receios que uma prova de longa distancia nos proporciona, ficamos sabendo dos pontos críticos do percurso como: longos quilômetros entre os pontos de apoio e pontos de controle, pista ruim em alguns trechos, inclusive exigindo cuidados e atenção com relação a riscos de assaltos na estrada. Nesse momento ficamos um pouco apreensivos, porém estávamos preparados para enfrentar todos esses desafios.
Depois de algumas horas destinadas aos ajustes finais nas bicicletas, jantar e descanso, nos dirigimos ao centro administrativo de Bagé, local destinado a vistoria das bikes e equipamentos de segurança, bem como da entrega dos passaportes, para o carimbo que registraria nossa passagem em cada ponto de controle da prova. As 23h59min do dia 21 de outubro foi dada a largada controlada por um carro da organização que nos levou ate a saída do perímetro urbano. Neste trajeto as pessoas pareciam estar esperando a nossa passagem, acenavam e aplaudiam em frente de suas casas e nas calçadas, foi gratificante. Nesse momento fomos lançados ao desafio de percorrer os 600 km.

A noite estava fria - na madrugada chegamos a sensação térmica de 4ºC -  e com pouca luminosidade. O vento estava contra, o que criava um pouco de resistência. Mas, como eu disse anteriormente, estávamos preparados, afinal somos das missões e pedalamos com uma turma que costuma dizer: “Quanto pior melhor!”. Já durante o dia, a temperatura chegou a atingir 32ºC.




Descreverei a seguir o trajeto percorrido, os pontos de atendimentos (PA) e os pontos de controle da prova (PC), bem como as minhas impressões, as curiosidades, superações e aprendizagens de um evento como esse. Por isso tomei a liberdade de relatar com detalhes esses momentos.
O trajeto
PA – Posto Paim – Km 52.1 = Passamos este PA com muita tranquilidade, rimos bastante, conversamos com ciclistas de diversas cidades e Estados, alguns já conhecidos de outros Audax e outros que acabamos conhecendo ali mesmo. Tivemos neste ponto o reforço do nosso pelotão com a presença dos ciclistas Marcos Rogerio Zanella de Crissiumal e  Alney Freitas Correa de Santa Maria.
PA – Posto da Fabrica – Km 63.5 = Neste ponto a temperatura baixou um pouco mais, as subidas começaram a aparecer e o grupo de Erechim passou a pedalar conosco.
 PC1 – Pinheiro Machado – Posto dos Balinhas – Km 84,3 = Primeiro ponto de controle, e eu já estava com vontade de colocar mais roupas. Estava muito frio e só um café bem quente para aliviar. Partimos dali e logo encontramos a primeira boa descida. Foi bom demais. Porém, acabei pegando um buraco no asfalto que causou furos nos dois pneus da minha bicicleta e até a garrafa d´água saltou fora do suporte. Paramos para trocar as câmeras, e seguimos, logo pegamos uma serra longa e com uma subida acentuada. Nesse ponto, tivemos que nos organizar pedalando em grupo, auxiliando os ciclistas de Erechim.  Com a subida forte, as pedaladas exigiam muito dos joelhos, então ao chegar no final da serra os meus já davam sinais de desgaste.
PC2 – Piratini – Posto 49 – Km 130.7 = Chegamos neste PC, já sem água e com o sol a pino. Trocamos nossas roupas de frio por outras mais leves e eu aproveitei para tomar um remédio para dor e suplementamos para suportar mais alguns quilômetros de pedalada. Neste momento ainda estávamos rindo dos acontecimentos, contando histórias e contemplando a paisagem.
PA – Restaurante Casarão – Km 141.1 = Chegamos com média de 21,8 km/h e estávamos bem na questão do tempo, trocamos a água e seguimos.
PA – Restaurante Rosa de Saron – Km 153.8 = Neste PA não nos demoramos, somente trocamos a água e continuamos o percurso.
PA – Posto Leão – Km 179,8 = Chegamos logo neste PA e ali nos alimentamos, pudemos ir ao banheiro e conversamos um pouco sobre a prova, meu joelho continuava doendo e isso já estava me deixando preocupado.
PA – Restaurante Ongaratto – Km 208.6 = Nesta altura meu rendimento caiu muito e já não conseguia acompanhar o Daniel e o Bartolomeu, acabei ficando para trás.  Parei, tomei água, descansei um pouco e resolvi seguir.
PC 3 – Cassino – Restaurante La Ventana – Km 246.6 = Cheguei no restaurante e boa parte dos ciclistas já havia almoçado. Nesse momento pensei em desistir da prova: “Acabou aqui, não vou atrasar os dois colegas e aumentar o problema no meu joelho”. Avisei o grupo que iria abandonar a prova ali. Tentaram me incentivar, mas não teve jeito. Saíram para a estrada e iniciaram o retorno, almocei e fui ate o carro de apoio, no momento de colocar a bike em cima do carro, senti que deveria tentar mais um pouco, talvez o remédio fizesse efeito logo e as dores poderiam dar uma trégua. Peguei água e continuei.
PA – Restaurante Ongaratto – Km 285.3 = Pedalei tudo o que pude e o vento desta vez estava a favor, mas não alcancei meus colegas. Passei pelo Alney, ciclista de Santa Maria, que esta sempre junto com a nossa turma de Santo Ângelo nos Audax anteriores. Forcei ainda mais a pedalada e acabei deixando ele para trás na esperança de me juntar ao nosso pelotão novamente.
PA – Posto Leão – Km 314.1 = Passando um pouco deste PA eu senti que a prova, para mim, encerrava ali. O joelho travou de vez; tentei ir mais devagar e não deu. Desci e empurrei a bicicleta por mais ou menos uns 2 km, subi novamente tentei pedalar, mas não tinha mais forças, não girava mais o pedal.  Acionei o apoio que em menos de 20 minutos chegou ao local onde eu esperava. Nestes 20 minutos passou um filme ali, na beira da estrada, tive medo do que iriam dizer, fiquei envergonhado, pensei na minha família, nas pessoas que tinham me motivado nestes últimos meses, em tudo o que tinha feito certo e onde poderia ter errado. Conformei-me, afinal não faltou perna. O resgate chegou e partimos.
PA – Restaurante Rosa de Saron – Km 340.1 = Chegando com o carro de apoio encontramos o Daniel e o Bartolomeu que já estavam esperando. Neste momento guardei as dores do joelho para um outro momento e passei a ajudar o Diego no apoio.
PA – Restaurante Casarão – Km 359.9 = Deste ponto em diante, observei que meus colegas Daniel e Bartolomeu já não tinham muito tempo para descanso e para se alimentarem. Eu e o Diego aproveitamos então para revisar as bicicletas , equipamentos de segurança como as luzes e lanternas e trocar a água das garrafas.
PC4 – Piratini – Restaurante 49 – Km 363.3 = O tempo corria e os dois forçavam a pedalada. Já havia anoitecido e tudo parece ficar pior. Mas o pior estava por vir.
PC5 – Piratini - Hotel Garibaldi – Km 400.5 = Quando entramos nesta rota, deu pena. Uma escuridão, um trajeto sinuoso e buracos, vários buracos numa pista que era em descida. Logo pensei no perigo, pois o Daniel costuma aproveitar ao máximo as decidas chegando muitas vezes a mais de 75 km/h. Quando começamos a subir com o carro de apoio, chegamos numa rua de paralelepípedos onde logo encontramos o Hotel. Hotel este que era para tomarmos banho, comer algo e dormir pelo menos uma hora e meia. Mas isso não foi possível aos nossos dois colegas missioneiros. O tempo estava escasso e eles ao chegarem aproveitaram somente para tomar um banho e logo partiram para a estrada.
PA – Mercado Morales – Km449.6 = Neste momento as forças já não eram as mesmas, o sono incomodava. O Daniel parou a bike e disse: “Barto, vou dormir só cinco minutos ai você me chama”. Deitou ali mesmo fora do acostamento. Cinco minutos depois voltaram a pedalar.
PC6 - Pinheiro Machado – Posto dos Balinhas – Km 478.8 = Bartolomeu e Daniel chegaram a esse PC no último minuto antes do fechamento. Estavam cansados do sol de 32°C que não dava trégua. Não tinha uma nuvem no céu e ali vimos que tudo estava pior do que imaginávamos, mal conseguiram tomar água.
PA – Posto da Fábrica – Km 499.6 = Enquanto nos deslocávamos para este PA, começamos a calcular e passar a média de quilometragem que deveriam manter se quisessem brevetar – ou seja, alcançar o título de Super Randonneur. Chegando ali cantamos algumas músicas de incentivo, para que não se desmotivassem.
PA – Posto Paim – Km 510.9 = Neste PA esperamos os dois com a suplementação pronta e gelada, para seguirem sabendo que a média da velocidade das pedaladas teria que ser de no mínimo 20.5 km/h, para chegarem ao final do desafio dentro do prazo.
PA – Lancheria PRF – Km 545.8 = Ate agora não sei onde fica este PA, pois passamos direto.
PC7 – Bagé – BR153 – Estância Santa Margarida – Km 564.1 = Neste momento tudo ficou tenso, pois o Daniel chegou sozinho no PC e tinha perdido contato visual com o Bartolomeu ha vários km. Atendemos ele ali e partiu sabendo que a media havia aumentado para 21.1 km/h. Passados 15 min apareceu o Bartolomeu, estava branco, antes dele descer da bike tentei falar com ele, parceria estar tonto, só escutou quando falei para ele sentar. Tomou água, suplementou e recebeu a notícia que deveria pedalar a 21.8 km/h para completar a prova. Quase jogou as “ferramentas”, olhou com o olhar cansado, se resignou e aceitou o desafio, pegou a bike e partiu. Ficamos olhando e tivemos a certeza de que os dois estavam “garantidos” na prova. Vimos ele subir a primeira, a segunda subida pedalando em pé. Foi bonito de ver a garra, a vontade e persistência em busca do objetivo.


Chegada – Bagé – Centro administrativo – Km 600. = A chegada foi emocionante, ha seis quadras da chegada o Daniel perdeu o foco da pista e levou uma queda, machucando os dois braços e pernas. Levantou com dificuldades, bateu o pó da pista e subiu na bike. As pessoas pediam que esperasse que iriam chamar o Samu, mas o foco havia voltado com tudo, ele agradeceu e pegou o caminho em direção ao centro administrativo. Chegou com mais ou menos 39 horas e 40 minutos garantindo os dois títulos que tinha ido buscar. Logo atrás vinha o Bartolomeu, que chegou na frente do centro administrativo quase no pórtico da chegada. Desceu, pegou a bike e levantou como se fosse um troféu. Era o “nosso” troféu, ver ali chegando com força no braço, pisando firme e sorriso no rosto. A emoção foi forte, as pessoas aplaudindo, os ciclistas comemorando, o organizador do evento saudando o último santoangelense a garantir dois títulos do calendário 2016 o de Super Randonneur - homologado pelo Audax Club Parisien e Super Randonneur dos Pampas - homologado pelo Clube Audax Bagé.

Enfim, estou feliz pelos meus amigos, parceiros de muitos pedais e o resumo foi este, lembrando eu me conformei naquele momento, mas não aceitei. No calendário 2017 já estão agendadas muitas oportunidades e eu vou estar lá com a turma inteira.

Alessandro Dorneles
26/10/16


2 comentários:

  1. Parabéns amigos, adoro ler os relatos, é incrível do que somos capazes em cima das bikes! Um abraço do tamanho do Rio Grande e nos encontramos na estrada.

    ResponderExcluir
  2. Parabens meus camaradas. Muito emocionante esse relato. Alessandro, tu ja eh um vencedor soh por ter tentado.

    ResponderExcluir